sábado, 26 de junho de 2010

Trabalho academico sobre a Jussara

"FILOSOFIA DO MEIO AMBIENTE E GESTÃO COMPARTILHADA DA BIODIVERSIDADE
DA MATA ATLÂNTICA: DEBATES PÚBLICOS SOBRE A COLETA DE FRUTOS DA
PALMEIRA-JUÇARA NO RIO GRANDE DO SUL"

a dissertação foi orientada pela Profa. Dra. Gabriela Coelho-de-Souza
e co-orientada pelo Prof. Dr. Jalcione Almeida.

A defesa será no dia 28 de junho (segunda-feira) com início às 08:30,
na sala 32 da Faculdade de Economia da UFRGS (Av. João Pessoa, 52,
Centro)

a Banca de Avaliação é composta por:
Profª Drª Gabriela Coelho de Souza (presidente - PGDR/UFRGS)
Prof. Dr. Fábio Kessler Dal Soglio (PGDR/UFRGS)
Prof. Dr. Fernando José da Rocha (Departamento de Filosofia/UFRGS)
Prof. Dr. Paulo Brack (Departamento de Botânica/UFRGS)
Profª Drª Rumi Regina Kubo (PGDR/UFRGS)

abaixo segue o resumo da dissertação

Cordialmente,

Vicente Medaglia

RESUMO

O Bioma Mata Atlântica é reconhecido mundialmente como um hotspot
(área prioritária para conservação) de biodiversidade. Como estratégia
para enfrentar o desafio de sua gestão a UNESCO e o Governo brasileiro
instituíram a Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, que tem como
objetivos a promoção da conservação da biodiversidade, do seu uso
sustentável e do conhecimento científico e tradicional sobre seus
componentes. Nesse sistema de gestão, diversos segmentos da sociedade
envolvidos com a temática estão representados. As encostas do Planalto
Meridional no Litoral Norte do Rio Grande do Sul são o limite
meridional de ocorrência da Mata Atlântica stricto sensu.  Essa região
passou por diferentes fases de ocupação, tendo a agricultura sempre um
papel central em sua economia. Como resultado de mudanças de caráter
ecológico, econômico e jurídico, essas áreas, onde outrora a
agricultura foi praticada intensivamente, tiveram sua utilização
substancialmente diminuída, voltando a estar cobertas pela sucessão
ecológica da floresta. As restrições legais de uso da terra (tendo a
fiscalização ambiental se intensificado a partir da década de 1990)
vieram a agudizar um processo de marginalização socioeconômica de uma
parcela da população resultando, entre outros efeitos, em
empobrecimento e aumento do êxodo rural. Frente a essa situação, uma
série de atores sociais tem buscado promover a utilização sustentável
de produtos florestais não madeiráveis oriundos da biodiversidade
nativa, entendendo-a capaz de aliar geração de renda e conservação da
biodiversidade. Esses atores são imbuídos de diferentes concepções
filosóficas, particularmente no que toca às dimensões da ética
(diferentes valorações morais) e da ontologia (diferentes
entendimentos sobre a relação ser humano/natureza). No início de 2008,
algumas instituições levaram ao Comitê Estadual da Reserva da Biosfera
da Mata Atlântica do Rio Grande do Sul (CERBMA) a problemática dos
frutos da palmeira-juçara (Euterpe edulis), fazendo, o autor da
dissertação, parte de uma delas e, participando das negociações nessa
condição. Essa espécie é utilizada de forma insustentável para
extração do palmito (meristema apical), atividade largamente realizada
de forma clandestina e que levou a espécie a ser considerada ameaçada
de extinção. A utilização dos frutos, nesse sentido, se apresenta como
alternativa para a conservação da espécie. No CERBMA foram realizadas
diversas reuniões que culminaram na aprovação do “Projeto piloto para
o uso sustentável dos frutos da palmeira-juçara”. Esse processo de
construção é o objeto de análise desta dissertação. Desde os
referenciais teóricos assumidos, nos processos de gestão da
biodiversidade estão envolvidos diversas dimensões: desde as mais
específicas, referentes ao conhecimento ecológico e aos sistemas de
manejo, até as mais gerais, atinentes aos arranjos institucionais e a
às ontologias e éticas envolvidas. O presente trabalho analisa o
Projeto Piloto nas dimensões mais amplas (filosófica e dos arranjos
institucionais), discutindo as mais específicas em relação a elas. O
problema de pesquisa que o motiva, portanto, é o seguinte:
considerando os debates públicos sobre a coleta de frutos da
palmeira-juçara que tiveram lugar no âmbito do CERBMA e seus
desdobramentos, quais arranjos institucionais sobre a gestão da
biodiversidade se estabeleceram e quais as questões filosóficas,
abrangendo dimensões éticas e ontológicas, se expressam nesses
debates? Para respondê-la, foi realizada pesquisa de campo com coleta
de dados por observação participante nas 14 reuniões públicas que
trataram da temática e entrevistas semi-estruturadas com 13 atores
sociais envolvidos. A análise desse material permitiu caracterizar o
processo como um caso de gestão compartilhada da biodiversidade onde
os critérios para o manejo foram definidos a partir da base de
conhecimento científico e tradicional, e os arranjos institucionais
para a gestão do Projeto foram construídos entre os atores envolvidos.
Um ponto focal da discussão versou sobre como deveria ser realizado o
monitoramento da atividade. Quanto à dimensão ontológica, foram
identificados elementos de uma ontologia dissociativa característica
da modernidade (que divide a Natureza e a Sociedade em campos
ontológicos absolutamente distintos) que tende a dividir a gestão da
propriedade rural entre preservação e uso. Também foram identificados
elementos de uma ontologia integrativa que permite uma gestão da
biodiversidade na propriedade rural em que a conservação da
biodiversidade e o seu uso estejam conjugados. É argumentado que essa
visão é a mais adequada. Quanto à dimensão ética, foram identificados
no debate elementos de valorações biocêntricas, alinhadas com a
ontologia dissociativa, e ecocêntricas, alinhadas à ontologia
integrativa, sendo discutidas as conseqüências sobre a utilização do
ambiente que elas ensejam. Os atores não se identificaram entre si
como utilizando uma perspectiva valorativa preocupada unicamente com o
lucro pecuniário (denominada como valoração crematocêntrica). Embora
diferentes perspectivas ontológicas e éticas se fizeram presentes nos
debates públicos, isso não impediu a construção de um consenso sobre a
necessidade de construir, com o Projeto Piloto, um arranjo
institucional envolvendo instituições governamentais e não
governamentais na gestão da biodiversidade.


Palavras-chave: Filosofia do meio ambiente, relação ser
humano/natureza, gestão compartilhada da biodiversidade, Mata
Atlântica, palmeira-juçara.

--
Vicente Medaglia
Coordenador-Geral
InGá Estudos Ambientais

terça-feira, 22 de junho de 2010

Vanguarda Abolicionista se faz presente na Terça Sem Carne da creche Semeando O Amanhã
 
Fotos: Marcio de Almeida Bueno

por Marcio de Almeida Bueno

Na manhã desta terça-feira, 22 de junho, integrantes da Vanguarda Abolicionista estiveram na creche comunitária Semeando O Amanhã, em Porto Alegre. O grupo foi convidado para conferir mais uma edição da Terça Sem Carne promovida no educandário, por iniciativa da nutricionista Claudia Lulkin. A VAL tem colaborado com o projeto entregando doações mensais de proteína de soja, arroz e feijão, ajudando as crianças da creche a terem um dia de refeição vegana por semana.

Na ocasião, foram recebidos pela diretora da creche e funcionárias, e conheceram as instalações da Semeando O Amanhã, brincando com as crianças até a hora do almoço. Acompanharam então a refeição dos alunos – feijão, arroz, bolo de proteína de soja com batata, saladas de repolho e de tomate com salsinha – e sentaram-se à mesa para degustar o cardápio.

Após o almoço, aproveitaram a pausa para 'sesta' dos pequenos para se despedirem das responsáveis, prometendo manter a doação regular para a pioneira Terça Sem Carne.

Foto: Ellen Augusta Valer de Freitas

Foto: Marcio de Almeida Bueno

Foto: Fernando Schell

sexta-feira, 18 de junho de 2010

O vegetarianismo e a pecuária: um debate sobre as políticas públicas para a conservação do Pampa", dia 29/06, no Ingá
 
 
O InGá promove no dia 29 de junho o seu evento mensal, o Conservação em Foco, trazendo o tema "O vegetarianismo e a pecuária: um debate sobre as políticas públicas para a conservação do pampa".
 
Na ocasião, estarão presentes a psicóloga e socióloga Eliane Carmanim Lima representando o Movimento Vegano e Vegetariano e o agrônomo Valério Pillar, que falará sobre a conservação dos campos e sua relação com a pecuária. Mediará esta conversa o Filósofo e Coordenador do InGá Vicente Medaglia.
 
O InGá reconhece a relevância deste tema e a importância de unificar as estratégias de resistência social de dois movimentos envolvidos com a preservação das espécies.
 
Frente à ameaça de perda de grandes áreas de campo para a silvicultura no Bioma Pampa e no atual estágio de impacto da pecuária intensiva sobre os biomas brasileiros, é de suma importância buscar as alternativas para valorização de sistemas produtivos menos impactantes. Além disso, o papel do consumidor na cidade completa o ciclo destas produções e, portanto, sua escolha do que comer é estratégica para a conservação de nossa biodiversidade.
 
O Conservação em Foco inicia às 19 horas no Casarão do Arvoredo (Fernando Machado, 464). Toda a comunidade está convidada a participar. A entrada é gratuita.

Os defensores da biodiversidade

Neste Dia Mundial do Meio Ambiente, conheça histórias, aventuras e polêmicas de dez pessoas que ajudaram a mudar o destino de espécies animais ameaçadas de extinção em todo o mundo .

Fernando Fava – O Estado de S.Paulo – 5 de junho de 2010, caderno Planeta

As Nações Unidas definiram 2010 como o Ano Internacional da Biodiversidade. Neste Dia Mundial do Meio Ambiente, porém, não há muito a comemorar. Apesar da meta estabelecida pela Convenção de Diversidade Biológica de cortar significativamente o ritmo da redução de biodiversidade, o relatório mais recente da ONU mostra que o planeta perdeu 30% do estoque de seres vivos existente em 1970. O documento aponta como ameaçadas de extinção 42% das espécies de anfíbios e 40% das de aves e estima em US$ 2 trilhões a US$ 4,5 trilhões o prejuízo anual com desmatamento. No Brasil, a União Internacional para Conservação da Natureza calcula que 59 espécies marinhas estão ameaçadas. A situação seria pior, não fosse a ação de dez pessoas dedicadas à conservação de espécies no mundo todo, ouvidas pelo Estado nas páginas a seguir:

George Schaller | Gorilas, tigres e leopardos

Considerado o maior conservacionista da atualidade, o americano George Schaller já esteve em mais de 20 países para estudar animais. Em vários casos foi pioneiro nas pesquisas: de gorilas no Congo, de tigres na Índia, de pandas na China e de onças-pintadas no Pantanal brasileiro.

Filho de alemão e americana, Schaller nasceu em 1933, em Berlim. Aos 14 anos, mudou-se para os Estados Unidos. Estudou Biologia e Antropologia na Universidade do Alasca, onde, por conta das dificuldades econômicas da família, precisava se revezar entre os livros e o emprego na cafeteria. "Felizmente, lá você não podia se formar sem antes ter feito estudo de campo", contou, em entrevista concedida pelo telefone, de Pequim.

A primeira oportunidade de trabalho de campo foi estudar aves migratórias no Ártico. Na volta, Schaller concluiu o PhD na Universidade de Wisconsin e ganhou o mundo. Bastava surgir um convite e lá ia ele com a mulher, Kay, e dois filhos pequenos para os lugares mais remotos do planeta. "Tive muita sorte porque Kay sempre gostou de sair a campo." Ainda que isso implicasse dormir em tendas no meio do mato, em áreas habitadas por gorilas, tigres e onças selvagens.

Schaller viaja muito, mas escolheu se fixar no planalto tibetano na China. Uma de suas prioridades são projetos de proteção a guepardos no Irã. Tipicamente africana, a espécie praticamente sumiu da Ásia, para onde tinha migrado, e o Irã é um dos seus últimos redutos. "O problema é que, por causa do conflito político com os Estados Unidos, não consigo entrar no país."

Embora seu trabalho seja abrangente, Schaller tem predileção por grandes felinos. Além de tigres, onças e guepardos, estudou leões na Tanzânia e o leopardo-das-neves no Himalaia. "Os felinos são muito grandes e bonitos e, para estudá-los, você também precisa saber sobre suas presas. Acaba tendo uma visão completa do ecossistema."

Tema de um documentário da National Geographic recém-lançado nos EUA, Schaller orgulha-se de ter formado conservacionistas como a chinesa Lu Zhi e o brasileiro Peter Crawshaw Junior (veja perfis dos dois nas páginas seguintes). "Você vai embora e o mais satisfatório é ver que deixou algo para trás, um time motivado de especialistas locais", diz. "O trabalho de conservação é emocional. Você precisa colocar o coração na missão, porque tem de passar meses no meio do mato, enfrentando climas extremos."

Paul Watson | Baleias

Em 1975, o ex-marinheiro canadense Paul Watson (na foto à esquerda com a atriz americana Daryl Hanna), eleito em 2000 pela revista Time um dos "heróis ambientais" do século 20 pela defesa das espécies marinhas, participava da campanha do Greenpeace contra a caça de baleias pelos soviéticos. Em alto-mar, a tática era colocar seu bote inflável Zodiac entre o baleeiro e os animais, para impedir o ataque.

No confronto, Watson viu uma baleia ser ferida por um arpão que passou pelo bote. Temeu que ela revidasse, mas diz ter enxergado compreensão nos olhos do animal moribundo, que deslizou nas águas e desapareceu. "Ela podia ter nos matado, mas de certa forma sabia que estávamos ao seu lado", diz. "Vi que a baleia fez uma escolha de não nos matar e isso fez toda a diferença na minha vida."

Em 1977, Watson rompeu com o Greenpeace, que ajudara a fundar, alegando que ele se tornara "burocrático". Criou a Sea Shepherd, ONG que faz uma espécie de guerrilha no combate a baleeiros, usando métodos como a invasão de embarcações e até colisões propositais no mar.

Watson, de 50 anos, é combativo e midiático. Em 1977, algemou-se a uma pilha de peles de focas para protestar contra a caça aos animais. Foi espancado por caçadores. Há dois anos, levou dois tiros. Escapou porque vestia um colete à prova de balas. O drama foi mostrado no Whale Wars, espécie de reality show do canal Animal Planet sobre a Sea Shepherd. "São riscos que você precisa correr."

Segundo Watson, as estratégias da ONG permitiram salvar dezenas de milhares de baleias. A última ofensiva ocorreu em abril e frustrou a campanha anual de caça às baleias do Japão. Os baleeiros, que tinham uma cota de 935 animais para abater, mataram 507. Na guerrilha marinha, em janeiro, a equipe da Sea Shepherd lançou sua superlancha contra um baleeiro. O barco da ONG naufragou. "Barcos podem ser repostos, mas as baleias não", diz Watson. O capitão da lancha Pete Bethune, está retido no Japão, aguardando o veredicto do julgamento em que é acusado de ter invadido o arpoador. Pode pegar 15 anos de prisão.

Watson se defende das acusações de uso de violência. "Se eu fosse terrorista, estaria na prisão. O fato é que nunca ferimos ninguém e eu realmente não ligo para o que as pessoas falam."

Ele diz que seu trabalho está longe de acabar, porque países como Japão, Noruega e Islândia ainda caçam baleias para consumo de carne, usando como pretexto "fins científicos". No fim deste mês, a Comissão Internacional da Baleia pode liberar a caça com uma cota máxima. "É uma organização inútil", critica Watson. "Mas é a única que temos, precisamos nos ater a isso. Leis internacionais eficazes deveriam existir, mas não há vontade política dos países para isso."


Jane Goodall | Chimpanzés

Na infância, o livro preferido da britânica Jane Goodall, maior especialista em chimpanzés no mundo, era Tarzan. "Sempre achei que faria uma Jane melhor para ele." A garota costumava provocar risos quando falava do sonho de ir para a África. "Não tínhamos dinheiro. Mas minha mãe apoiava minha paixão por animais e dizia: "Se você trabalhar duro, achará o caminho"."

A falta de recursos impediu Jane de cursar Biologia. Trabalhava como secretária em Londres em 1957, quando uma amiga de escola escreveu contando que a família se mudara para o Quênia e a convidou a ir para lá. "Trabalhei de garçonete até economizar para a passagem de navio."

No Quênia, Jane descobriu que o arqueólogo Louis Leakey estava no país para estudar fósseis humanos e o procurou. "Ele notou que eu respondia a todas as perguntas sobre animais e me levou para estudar fósseis na planície de Serengueti, Tanzânia."

Leakey decidiu que Jane faria o primeiro estudo mais profundo sobre chimpanzés do mundo, em busca de semelhanças com humanos. Ela, porém, ficaria só, porque Leakey precisava voltar ao Quênia. Jane teve de criar sua própria metodologia. "Só conseguia observá-los a grandes distâncias. Se não descobrisse nada em seis meses, sabia que seria o fim dos recursos e da pesquisa."

No quinto mês, os chimpanzés finalmente perderam o medo. E permitiram a Jane fazer descobertas, como, por exemplo, de que eles não eram vegetarianos como se pensava e se alimentavam de pequenos animais, ou então que sabiam fabricar e usar ferramentas. Ela também afirmou pela primeira vez que chimpanzés tinham emoções e personalidades diferentes e deu-lhes nomes, como Flo e Goliath. Flo, que deixou Jane até assistir aos seus partos, ficou tão conhecida que em 1972 mereceu um obituário no jornal Sunday Times.

Graças a Leakey, Jane entrou direto no doutorado em Cambridge. "Me foi dito que tudo que eu tinha feito estava errado, que não deveria falar que animais têm personalidade", conta. "Ainda bem que, na infância, tive um professor que me mostrou que isso não era verdade: meu cachorro. Você não tem como dividir a vida com um animal e não notar que ele tem emoções."

As convicções de Jane inspiraram cientistas em todo o mundo. Em 1977, ela criou, em Gombe, o Jane Goodall Institute e passou a receber pesquisadores. Nos anos 80, quando a caça clandestina e o desmatamento ameaçavam dizimar os chimpanzés, mudou a atuação de cientista para conservacionista. Hoje passa cerca de 300 dias viajando, lutando pela aprovação de leis e visitando programas de educação ambiental que criou em 120 países. "Esta é a contribuição mais duradoura. Poderia morrer tentando proteger chimpanzés, mas, se nós não tivermos as próximas gerações para serem ainda melhores nesta tarefa, então não haveria sentido, não é?"

Li Quan | Tigres asiáticos

Em 1998, a chinesa Li Quan fez um safári na Zâmbia. "Queria desesperadamente ver um leopardo na selva. Não vi nenhum. Talvez eles soubessem que eu iria voltar de qualquer forma." No começo dos anos 2000, Li largou uma carreira promissora na indústria da moda – era executiva da Gucci – para criar um projeto milionário (e polêmico) de conservação dos tigres chineses.

Esses animais praticamente não existem mais em seu hábitat na China. Com dinheiro do marido, um investidor multimilionário, Stuart Bray, Li comprou quatro tigres mantidos em cativeiro e uma reserva de 30 mil hectares na África do Sul, onde os animais podem procriar e reaprender a caçar. Gastou US$ 6 milhões na reserva, que tem custo anual de US$ 1 milhão. Os tigres já deram cinco filhotes e alguns estão prontos para ser reintegrados em reservas chinesas em 2011.

"Quando você faz algo bom, é atacado; quando não faz nada, fica tudo bem", diz Li, sobre as críticas à relação custo-benefício do projeto. "Eu e meu marido nem temos carro em Londres, usamos transporte público, não nos importamos com luxo e casas. Preferimos investir em algo que realmente necessita, e os tigres precisam de ajuda."

Lu Zhi | Pandas

A maior parte dos cientistas que pesquisam pandas gigantes passa meses a fio na floresta na esperança de ver um. A conservacionista chinesa Lu Zhi, de 45 anos, teve mais sorte. Em menos de uma semana de seu primeiro estudo de campo na Faculdade de Biologia da Universidade de Pequim, Lu, então com 19 anos, viu três pandas. Nos últimos 25 anos, ela se notabilizou como a maior defensora desses ursos.

Lu entrou na faculdade aos 16 anos. Na época, só um professor tinha estudo de campo, Pan Wenshi, auxiliar do conservacionista americano George Schaller em pesquisas sobre pandas. Lu juntou-se a eles num trabalho que previa a contagem dos pandas em seu hábitat, a floresta de Qinling, oeste da China. A ideia era estudar como os ursos faziam a digestão do bambu e procriavam. O grupo descobriu que, ao contrário do que se acreditava, eles não tinham problemas de procriação no seu hábitat. "Em zoológicos os machos não sabem procriar, porque vivem isolados e os filhotes não aprendem observando adultos."

Lu foi quem mais se aproximou dos pandas de Qinling. "Foi difícil, eles são tímidos, temem humanos. Eu os seguia pela floresta, tentava imitar seus chamados com a voz." Uma das fêmeas, Jiao Jiao, permitiu à pesquisadora acompanhar de perto três gestações – na última, deixou Lu entrar na sua toca. "Por milhares de anos, os animais viram humanos como inimigos. Lá eu era um membro da família."

A chinesa passou seis anos num rústico acampamento de madeireiros, sem eletricidade nos invernos rigorosos e muitas vezes sem cama. "Não tínhamos tempo para nos preocupar. À noite a única coisa em que pensava era qual seria a montanha a explorar na manhã seguinte."

Ajudada por ONGs, Lu escreveu ao governo chinês, que, em 1995, declarou Qinling reserva nacional, preservando a floresta e os pandas da ação dos madeireiros. "Mesmo que eles não derrubassem os bambus, o tronco depende da cobertura vegetal para permanecer fresco e macio. E o panda não consegue comer o bambu endurecido."

Peter Crawshaw | Onça-pintada

O maior defensor da onça-pintada do Pantanal foi caçador na adolescência. Peter Crawshaw Junior, de 58 anos (apesar do nome, esse neto de ingleses é brasileiro), aprendeu com o pai a lidar com armas e cães farejadores em Uruguaiana (RS), onde se embrenhava no mato atrás de ratões-do-banhado. Ainda guarda um quê de caçador. "A melhor fase da minha vida foi quando seguia a cavalo matilhas de cães treinados para encontrar onças no Pantanal nos anos 80." Nessa época, porém, os felinos já tinham virado seu objeto de estudo.

A ligação de Crawshaw com a pesquisa de onças vem da época de estudante de Biologia na Universidade do Vale do Rio dos Sinos. O brasileiro soube que o biólogo americano George Schaller viria ao Brasil para estudar onças no Pantanal e escreveu para ele. Os dois começaram a trabalhar juntos em 1978, usando uma técnica inédita trazida por Schaller ao País, a radiotelemetria, que consistia em colocar coleiras nos animais para rastreá-los por meio de ondas de rádio.

O uso da radiotelemetria só foi possível graças a um mateiro caçador do Pantanal, seu Manuel Dantas. Após meses de espera numa fazenda da região de Corumbá (MS), os três viram a primeira "pintada", acuada por cães em uma árvore. Tinha sido atraída pelo mateiro, com uma cabaça. "Conforme a situação, ele imitava com perfeição a fêmea para chamar um macho. Mas sabia provocar a onça macho, imitando outro que estaria invadindo o território." Schaller alvejou a onça com um dardo de sedativo. Crawshaw ajudou a tirar medidas e colocar a coleira.

O brasileiro usou essa técnica para estudar dezenas de felinos em todo o País até 1984. A essa altura, Schaller já deixara o Brasil rumo à China, para pesquisar pandas. De 1985 a 1990, Crawshaw fez mestrado e doutorado na Universidade da Flórida, sobre pintadas e jaguatiricas que estudou no Parque Nacional do Iguaçu, no Paraná.

Foi lá que passou seu maior apuro: teve de lutar com uma onça, escapando de lesões graves. Ele terminava de capturar uma fêmea quando um grupo de turistas chegou. "Com a onça já quase recuperada da anestesia, uma turista quis tirar uma última foto. O flash fez a onça avançar. Só tive tempo de me meter entre ela e a mulher." Crawshaw escorregou. Ao se levantar, não viu que o animal estava prestes a atacá-lo pelas costas. "Por sorte, meu pai teve a coragem de segurar a onça pelo rabo." Pai e filho se refugiaram num carro. Crawshaw teve cortes em todo o corpo e um dedo quebrado. O pai levou uma mordida na perna.

Crawshaw hoje pilota projetos de pesquisa e proteção a onças no Pantanal e na mata atlântica. Graças ao seu trabalho de conscientização, a população da espécie, que corria risco de extinção, se recuperou. Mas ainda precisa de atenção. Com o hábitat cercado por fazendas, o animal virou predador de gado. "Para defender seus bois, muitos fazendeiros ainda matam as onças."

Neiva Guedes | Arara-azul

Pelos cálculos da bióloga Neiva Guedes, a população de araras-azuis do País cresceu de 1,5 mil exemplares para 6,5 mil desde o fim dos anos 80. Parte desse aumento se deve ao Projeto Arara Azul, criado por ela. Quando Neiva começou a se interessar pela espécie, em 1989, praticamente não havia bibliografia disponível sobre essas aves. "Uma das primeiras coisas que descobrimos foi a cumplicidade dos casais: eles raramente se separam e dividem as tarefas de cuidar do ninho e alimentar os filhotes."

Outra descoberta da bióloga diz respeito à baixa taxa de reprodução da espécie. A maior parte dos casais procria a cada dois anos. A fêmea põe, em média, dois ovos e só um filhote costuma sobreviver. Essa característica contribuiu para colocar a arara-azul em risco, aliada à derrubada de árvores como manduvis, onde as aves fazem ninhos.

Neiva não descobriu cedo a vocação. Só resolveu prestar vestibular para Biologia quando não passou na seleção para Medicina. "Decidi depois que queria estudar algum animal no Pantanal, mas não tinha uma predileção."

Em 1989, durante um curso no Pantanal, a bióloga viu uma árvore com cerca de 30 araras-azuis e soube que as aves corriam sério risco de extinção. "Sempre digo que foi amor à primeira vista. Pensei em fazer algo para elas não desaparecerem, para que outras pessoas pudessem vê-las."

No começo, Neiva ia para o Pantanal de carona, andava a pé perguntando aos fazendeiros se tinham visto araras. Hoje a ONG tem cinco funcionários, uma sede, o Refúgio Caiman, cedido pela família Klabin, e três veículos. "O legal é que esse trabalho serve de exemplo para toda uma geração de biólogos. E o envolvimento da comunidade faz a diferença. Nunca fui só de lutar pelo lado científico."

Vera da Silva | Peixe-boi

Em 1974, quando o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) começou o Projeto Peixe-Boi, Vera da Silva já estava na instituição – era estudante de Biologia. O projeto evoluiu e deu origem à divisão de mamíferos aquáticos do Inpa, onde, além do peixe-boi, são estudados também botos e ariranhas. Com núcleos espalhados pelo Acre, Roraima e Rondônia, o centro é referência mundial na pesquisa de mamíferos de água doce.

Vera diz que uma das principais dificuldades do projeto de preservação do peixe-boi está ligada ao histórico de superexploração do animal. "O peixe-boi é uma espécie importante para a população ribeirinha da Amazônia e sempre foi uma mercadoria muito apreciada, desde a época do Brasil colônia", diz Vera. Ela conta que há relatos do padre José de Anchieta e de José Bonifácio de Andrada e Silva sobre o grande número de peixes-bois capturados na Amazônia. "Os índios já utilizavam o couro do peixe-boi para fazer zarabatanas e escudos. Mas a ameaça veio mesmo quando os portugueses descobriram que ele tinha carne saborosa, gordura abundante e couro resistente."

Vera afirma que entre 1930 e 1950 o couro teve até aplicação industrial. Foi muito utilizado na fabricação de correias de máquinas de todos os tipos. "Minha mãe tinha uma máquina de costura movimentada por uma correia de couro de peixe-boi."

A pesquisadora hoje é presidente da Associação Amigos do Peixe Boi (Ampa), criada para facilitar atividades como o resgate de animais feridos ou mantidos em cativeiro, a conscientização das populações ribeirinhas e a reintrodução no hábitat de origem dos mamíferos encaminhados às unidades do Inpa – geralmente filhotes.

"Como os filhotes têm de vir à tona mais vezes para respirar, tornam-se presas fáceis. Além disso, servem de isca para a captura das mães. Elas estão sempre ao lado dos filhotes, porque os amamentam por dois anos." Outra característica que facilita a captura é a de que, por ser herbívoro, o peixe-boi se concentra em várzeas. Lá viram alvo do homem, seu maior predador.

"Hoje as pessoas estão muito mais conscientes, sabem que a espécie é ameaçada de extinção. E os celulares tornaram tudo mais fácil. Quando recebemos um chamado, ligamos para o Ibama e pedimos o resgate na hora", diz. "Antes, quando chegávamos, animal já estava morto."

KARINA NINNI, ESPECIAL PARA O ESTADO